Shackleton, uma lição de coragem.
O livro de Margot Morrell & Stephanie Capparrell, é um verdadeiro manual de liderança inspirado numa aventura extraordinária.
Shackleton, explorador e comandante de uma extraordinária expedição à Antártida, foi chamado de "o maior líder que jamais surgiu nesta terra de Deus, sem exceção".
Com sua tripulação de 27 pessoas, Ernest Shackleton sobreviveu ao naufrágio do navio Endurance, durante uma expedição que saiu da Geórgia do Sul em 1914, rumo à Antártida e só retornou dois anos depois, a terra de origem.
Poucos meses depois de sua partida, o endurance encalha e afunda antes mesmo que os tripulantes pudessem pôr os pés no destino final. Ai começa a "aventura" de um homem de coragem que deixou, definitivamente, sua marca na história.
Com o navio soterrado no gelo, sem comunicação, nem qualquer esperança de socorro, Shackleton e sua tripulação viveram experiências inimagináveis. Durante dois anos estiveram isolados, distantes a quase dois mil quilômetros da civilização, em temperaturas inferiores a 30º C. Em condições precárias de sobrevivência, assistiram horrorizados seu navio afundar, sem poder comunicar a ninguém o que estava acontecendo. Com ele, perderam todos os seus objetos de valor. O "chefe", como a tripulação o chamava, permitiu que tirassem do navio apenas os pertences indispensáveis à sobrevivência deles, além de três pequenos barcos salva- vidas. O frio cortante congelava suas roupas até endurecê-las, se as tirassem morreriam congelados. Suas mãos e pés queimavam no frio desesperador. Um deles disse: "A temperatura estava tão baixa que era possível ouvir o ruído da água congelando". As tendas que os abrigavam chegavam a ser transparentes de tão finas que eram. Os alimentos diários restringiam-se as focas, pingüins e num dado momento, os próprios cachorros que os guiaram por algum tempo na expedição. A água ficou tão escassa, que suas línguas inchavam com a secura do inverno.
Quando o verão antártico trouxe temperaturas um pouco mais elevadas, parecia que o alívio viria. Logo perceberam que era apenas imaginação. Passaram a acordar todas as manhãs dentro de poças de água fria. O chão, sob as tendas, era derretido pelo calor de seus corpos.
Quando o gelo começou a despedaçar debaixo deles, a tripulação embarcou em seus três botes salva-vidas rumo à ilha Elephant. Depois de mais de quatro meses de tédio absoluto, lutaram contra o mar revolto durante quase uma semana, numa tentativa desesperada pela sobrevivência. Sentiram fome, frio, sede. Foram à exaustão. Quando finalmente chegaram a terra, perceberam que era fétida e sem condições de sobrevivência. Shackleton optou novamente pela vida. Escolheu cinco homens e enfrentou mais de oitocentas milhas de mares turbulentos, num dos botes salva-vidas, em direção à ilha habitada da Geórgia do Sul. Os outros dois botes, emborcados, serviram de abrigo para os restantes dos homens que permaneceram na ilha Elephant, a espera do "chefe". Assim, Shackleton e os cinco homens seguiram viagem. Mais desafios. Sem abrigo, tinham que manter-se em movimento constante. Se dormissem, morreriam congelados. Quando a situação parecia insuportável, como por um milagre, chegaram ao destino esperado. Descanso? Não. Tiveram que atravessar uma cadeia de montanhas gélidas, aparentemente intransponível, para chegar à civilização. Quando lá aportaram, Shackleton imediatamente reúne esforços e retorna a ilha Elephant para buscar os demais companheiros de sua tripulação. Exatamente dois anos depois, espantosamente, todos os vinte e sete haviam sobrevivido e retornado ao seu ponto de origem.
O mais incrível dessa história foi: em situações tão adversas, o líder conseguiu manter toda a equipe unida e motivada. Ao longo de dois anos de perdas sucessivas e ameaças constantes, em nenhum momento sua equipe perdeu a esperança ou deixou de acreditar que o "chefe" os tiraria dali com vida e os levaria de volta para casa.
O fato é que mesmo em condições subumanas onde poucos acreditariam na sobrevivência, Shackleton mostrou o que uma liderança é capaz de fazer em tempos de crise.
Acompanhe algumas de suas atitudes e princípios:
* Desafio - Shackleton era movido a desafios. Em uma carta a sua mulher escreveu: "Adoro uma luta e, quando as coisas (são) fáceis, eu detesto". Apsely Garrard disse certa vez: "Se eu estiver em um buraco daqueles e quiser sair dele, dêem-me Shackleton todas às vezes".
* Confiança - todos o seguiam sem questionar ou duvidar de suas decisões, ainda que, ao reconhecer o erro, ele mudasse de idéia. Veja o anúncio que veiculou nos jornais para selecionar a tripulação do endurance: "Precisa-se de homens para viagem perigosa: salário baixo, muito frio, longos meses de completa escuridão e perigo constante. Não se garante regresso com vida. Em caso de sucesso, apenas reconhecimento e honras". Mais de duas mil pessoas se inscreveram, devida à confiança que tinham em Shackleton.
* Planejamento - planejou os mínimos detalhes da viagem. Com as informações que tinha de outras expedições anteriores, pode prever até o imprevisível e se armou do plano A, B e C. Foi isso que, mais tarde, o ajudou a superar barreiras aparentemente intransponíveis.
* Seleção da equipe - sempre teve critérios para selecionar sua equipe, seja para tarefas mais simples às mais complexas. Aqueles considerados mais pessimistas ou menos queridos pelo grupo, procurava sempre manter próximo de si, para que não contaminassem os demais.
* Integração - desde o início, sempre se preocupou com o relacionamento, integração e bem estar da equipe. Ao selecioná-los para expedição um dos critérios utilizados foi: que tocassem algum instrumento ou soubessem fazer algo para distrair a tripulação. Ele sabia que em algum momento isso seria vital a equipe. Mais uma vez estava certo. Essa e outras atividades, como o futebol, os mantinham unidos, ocupados e com a mente sã, impedindo que muitos enlouquecessem.
* Líder servidor - cuidava pessoalmente de todos que adoeciam. Pouco dormia para ficar de vigília, permitindo que seus companheiros o fizessem melhor. Assim, no dia seguinte, estariam mais dispostos para as atividades. Era enérgico sobre qualquer situação que colocasse em risco a vida de seus companheiros. Teve casos de obrigar um de seus tripulantes a aceitar sua luva para que ele pudesse ser salvo; chegou a ameaçar de jogar seu único biscoito fora se um de seus homens famintos, não o aceitasse.
* Esperança - nos mínimos detalhes, em tudo que fazia, Shackleton cuidou para que nenhum deles jamais perdesse a esperança de voltar para casa. Ao sair com os cinco membros da tripulação rumo à ilha da Geórgia do Sul, pediu ao segundo comandante que fizessem seus homens, da ilha Elephant, arrumarem seus pertences todos os dias para esperar o retorno de Shackleton. Jamais deixou que estocassem a carne das focas, para que eles não se pensassem que ficariam ali por muito tempo.
* Tolerante ao erro - diante do erro, mostrava-se tolerante. Apontava as conseqüências, orientava-os, mas jamais os culpava. Nunca expunha um companheiro diante do grupo, seja na sua fragilidade ou no erro. Se precisasse orientar alguém num aspecto que pudesse melindrá-lo diante do grupo, o "chefe" o fazia de maneira geral, como se fosse para o grupo todo.
* Desprendimento do passado - Numa situação de perda, Shackleton jamais se lamentava ou ficava preso ao passado. Rapidamente se reerguia e voltava-se para o futuro. Ao ver o endurance afundando disse: "Perdemos o navio e carga, agora vamos voltar para casa".
Após conhecer a história de Shackleton, fica ainda mais difícil compreender quando alguns "chefes" deixam de exercer sua liderança alegando não ser possível, por falta de condições e equipamentos adequados. Será mesmo que não é possível? Shackleton provou que sim.
O "Chefe" exerceu sua liderança baseado na coragem, companheirismo, lealdade, planejamento e muita determinação para superar todos os desafios previstos e inimagináveis.
É verdade que Shackleton fracassou quanto ao improvável: chegar à Antártida, mas quanto ao inimaginável, deixou sua marca na história. Conseguiu transformar sua mal sucedida expedição numa história de resistência heróica. Depois de dois anos assustadores, lutando para sobreviver, graças a sua liderança, todos retornaram para casa, em boas condições físicas e emocionais. Sem dúvida nenhuma, um exemplo de liderança. Uma lição de coragem!