Caso Sadia: o culpado é sempre o mordomo.


Um caso que me chamou a atenção desde o início foi a prejuízo bilionário que a Sadia teve com as operações "2 por 1" ou "target forward" seu nome técnico.

Logo que o caso veio a público em outubro de 2008, a empresa se apressou em responsabilizar seu Diretor Financeiro, Adriano Lima Ferreira (demitido sumariamente), relatando que o mesmo agiu sozinho e sem o conhecimento ou quanto mais, a aprovação do "board" da companhia.

Ora quem já trabalhou numa grande empresa sabe o quanto qualquer decisão financeira tem que ser analisada, explicada e re-explicada antes que o executivo receba a ordem de executá-la.

Causou-me estranheza que operações que causaram um prejuízo para a Sadia de R$ 2,5 bilhões pudessem ter sido concebidas e aprovadas por um único homem, numa empresa de milhares de funcionários.

No dia 06 de abril, o caso ganhou seu desdobramento jurídico. Os controladores da companhia decidiram por maioria, processar o ex-diretor para tentar responsabilizá-lo judicialmente pelo prejuízo causado pela excessiva exposição da empresa a derivativos cambiais (através da operação de "target forward"). A Sadia relutava porque apontar o dedo ao ex-diretor poderia respingar no então presidente doo conselho de adminsitração, Walter Fonatana Filho, que é da família e renunciou ao cargo depois que o problema veio à tona.

Um dia depois o executivo divulgou uma carta aberta em que se diz "surpreso" com a decisão.

O ex-diretor classificou a cultura financeira da companhia como "atípica", e disse que a decisão de processá-lo "é uma clara tentativa de isentar os demais administradores da Sadia, que geriram a companhia junto comigo e que compartilharam as mesmas decisões e as consequências positivas delas". 

Ele declara que, durante todo os seus anos de Sadia, trabalhou "enquadrado nos parâmetros de riscos aceitos por ela". "Cumpri com rigor a prestação de contas com a Sadia, me reportando diretamente ao presidente do Conselho de Administração, apresentando relatórios mensais e praticando todos os atos que me eram atribuídos." 

Ferreira afirma que "Todos os membros do conselho sabiam de tudo". Eles recebiam pediodicamente os meus relatórios em que estava claro que havia uma grande exposição ao risco. Ou fingiam que não entendiam ou realmente não entendiam o que estava escrito."

Ferreira conta que operações de derivativos cambiais sempre fizeram parte das "práticas comerciais e financeiras" da Sadia e que, nos últimos seis anos, foram responsáveis por 60% do lucro da companhia. Os mesmos derivativos que provocaram um prejuízo de R$ 2,5 bilhões à Sadia no ano passado, renderam, no primeiro semestre de 2008, segundo Ferreira, o correspondente a 80% do lucro apurado pela companhia. Ele diz ainda que as mesmas operações de derivativos foram realizadas em 2007, "ano em que a Sadia apurou um resultado excepcional e que todas essas operações constavam do seus demonstrativos financeiros". 

Ferreira afirma também em sua carta que, além da vocação agroindustrial, a Sadia também possui uma "vocação financeira com atividades equivalentes e até mesmo superiores". Essas atividades financeiras são conduzidas, segundo ele, "na própria Sadia, na Concórdia Corretora de Valores, há 21 anos em operação, e, mais recentemente, em 2007, na criação da holding financeira e do banco múltiplo, com rentabilidades de extrema relevância nos lucros da organização."

Ferreira diz ainda que sua missão ao ser contratado pela Sadia em 2002 era justamente "coordenar a gestão da liquidez e proteger o patrimônio da Sadia por meio de operações de hedge". "Função que cumpri com excelência, adaptando-me às atipicidades da cultura financeira da organização e otimizando-a de forma significativa ao aprimorar controles e processos, sendo responsável inclusive pela criação da área de gestão de riscos."

Ferreira questiona ainda as conclusões do relatório elaborado pela BDO Trevisan, empresa de auditoria contratada pela Sadia para apurar as responsabilidades no caso. De acordo com a própria Sadia, o relatório indica que Ferreira agiu sem informar ao Conselho de Administração. Ferreira conta que tentou obter o relatório, mas teve o acesso negado pela companhia. 

Entretanto, pelos relatos das conclusões do relatório divulgados pela imprensa, ele acredita ter havido, "provavelmente", "erros conceituais". " É importante lembrar que, para eventuais cálculos do relatório serem legítimos, deve ser levado em consideração o cenário macroeconômico e os melhores prognósticos disponíveis na data em que as operações foram fechadas, e não seu valor final", diz ele. "Surpreende-me o relatório considerar apenas o ano de 2008, ou seja, a história muito recente da companhia."

Ferreira sugere também que a forma com que a empresa administrou os contratos de derivativos após sua saída pode ter elevado as perdas. "Sobre as perdas, informo ainda que no momento de minha saída o montante era bem inferior ao divulgado. Desconheço as medidas e decisões tomadas, bem como seus impactos financeiros, subsequentes à minha demissão da Sadia." Procurada, a Sadia disse que não iria se pronunciar sobre o assunto. 

A única conclusão que se pode tirar deste episódio lamentável é velha: A culpa é sempre do mordomo.

Alexsandro Rebello Bonatto

Economista

www.venturacorporate.com.br

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