Líderes no país são autoritários e concentram o poder


A cultura da minha empresa é de muita participação. Somos todos iguais. As minhas portas estão sempre abertas...


Esse tipo de discurso acima é muito presente entre os dirigentes brasileiros. Mas o que encontramos no mercado nem sempre ratifica o que é dito. Nossa pesquisa mais recente, ainda em andamento, está ancorada em uma metodologia que desenvolvemos, a dos 7 Rs, que inclui a análise de traços culturais que devem ser: Retirados, Renovados, Resgatados, Reforçados, Ressignificados, Retidos ou Recusados para suportar a construção do futuro. Trata-se de uma análise do "jeito de ser" e do "jeito de fazer" de uma organização.


Com base nas respostas das centenas de executivos já entrevistados, analisamos aqui um traço típico da cultura brasileira: autoritarismo e concentração de poder. Acredito que alguns resultados podem te surpreender: 31% escolheram a resposta "não tenho este traço". Esse número é composto de 1% de executivos que optaram por "não tenho, mas quero ter", ou seja, que desejam incluir o autoritarismo na sua cultura (Renovar), e 30% por "não tenho e não quero ter", resposta que se caracteriza como Recusar. Ou seja, 70% admite ser autoritário e operar em um ambiente de concentração de poder. E apenas 32% desejam Retirar esse traço. "Já tive, perdi este traço e quero Resgatar" é a resposta de 3% dos entrevistados. Veja bem, a empresa deixou de ser autoritária e os executivos querem que volte a ser. O índice parece pequeno, mas tem significado. 28% admitem ter o traço (jeito de ser) e querem Ressignificá-lo (mudar o jeito de fazer). Isto significa manter a concentração de poder mas expr essa-lá de forma diferente.


Somando os que querem Reter (manter a intensidade atual do autoritarismo) com os que querem Reforçar, chegamos a 6%. 


Se juntamos os três últimos índices, observamos que 37% dos executivos brasileiros entrevistados não apenas têm mas querem ter o traço de autoritarismo e concentração de poder na sua empresa. Não é espantoso deparar com essas opiniões em pleno ano de 2010?


Tenho discutido em vários fóruns, aqui mesmo no Valor, o tema relações de poder. Vimos em uma de minhas pesquisas concluída em 2002 e, desde então, atualizada ano a ano que, em uma escala de zero a 100 - na qual os países cujas empresas apresentam relações de poder mais igualitárias estão próximas de zero e os países cujas empresas têm relações de poder mais autoritárias estão próximas de 100 -, o Brasil tem índice 75, entre mais de 60 países. Você deve estar pensando: "Reflexo ainda da ditadura?" Para você mesmo responder a esta pergunta, considere o fato de que 30 anos atrás o índice era 69.


O fato é que, nas organizações brasileiras, as relações de poder são permeadas por características marcantes como centralização, pouca participação dos empregados em processos decisórios amaciadas pela proximidade pessoal e pelo baixo grau de conflito com quem detém o poder.


Porém, essas características estão "fora de moda". Por isso os executivos não admitem abertamente que são centralizadores. Afirmam exatamente o contrário em palestras e nas entrevistas para nossos melhores jornais e revistas. A velha máxima do "discurso diferente da prática" vale também nesse caso, infelizmente.


Isso nos traz algumas questões: estes executivos acham mesmo que suas empresas terão melhor performance quanto mais autoritários forem? Teriam a ilusão de que autoritarismo e falta de autonomia se combinam com comprometimento e empreendedorismo? 


Quanto aos que querem Ressignificar, é como se desejassem que o chefe "não bata mais a mão na mesa, não grite". Acreditariam em um autoritarismo mais manso ou disfarçado? Nesse aspecto, cabem as mesmas questões colocadas acima. 


De forma neutra, a avaliação acadêmica mostra que a coerência entre os valores (jeito de ser e jeito de fazer) e a estratégia empresarial é fundamental para o sucesso empresarial. Se a escolha das nossas empresas é serem autoritárias, elas têm de saber que não criarão empreendedores, gente que arrisca e assume riscos. 


A dúvida é se dessa forma elas serão verdadeiramente competitivas. Não creio que sejam. Mas fica a questão para sua avaliação, para o seu discurso e para a sua ação.


Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora 

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